Prefácio de São Gregório Magno aos seus quatro livros de diálogos
São Gregório Magno SEGUNDO LIVRO DOS DIÁLOGOS: VIDA DE SÃO BENTO Nursia (480) - Monte Cassino (543) PREFÁCIO DE S. GREGÓRIO MAGNO AOS QUATRO LIVROS DOS DIÁLOGOS
Abatido, um dia, por causa da excessiva afluência de alguns seculares - aos quais, em suas dificuldades, somos muitas vezes obrigados a pagar até o que sem dúvida não devemos -, procurei um lugar retirado, amigo de minhas mágoas, onde pudesse ver com clareza tudo que me desagradava em minhas ocupações e ter livremente sob os olhos tudo quanto me costumava afligir.
Enquanto ali me achava, amargurado e em silêncio por muito tempo, esteve comigo meu amado filho, o diácono Pedro, que desde a mais tenra idade me é familiarmente ligado por grande amizade, e também companheiro no estudo da Palavra Sagrada. Vendo-me o coração devorado de mágoa, disse-me: “Terá acontecido algo de novo, pois estás mais triste que de costume?” “Pedro, respondi-lhe, a tristeza que sofro cada dia, é para mim sempre velha, porque contínua, e, simultaneamente, sempre nova, porque sempre aumenta. Meu pobre espírito, atacado do mal das suas ocupações, recorda o que foi outrora no mosteiro, como as coisas instáveis lhe estavam por baixo, e quanto ele transcendia tudo que passa, acostumado que era a não pensar senão nas coisas celestes; recorda que, embora retido no corpo, já ultrapassava pela contemplação os limites da carne; e a morte, que para quase todos é punição, ele já a desejava como a entrada na vida e o prêmio dos seus trabalhos.
Agora, porém, sofre com as dificuldades dos seculares, por ocasião da cura pastoral. Depois de tanta formosura do tempo da sua paz, está hoje enfeiado do pó da atividade terrena. E como, por condescendência com muitos, ele se dissipa pelas coisas de fora, mesmo quando retoma o curso da vida interior, é, sem dúvida, debilitado que a ela volta.
Estou, pois, avaliando o que sofro, avaliando o que perdi; e, enquanto considero o que perdi, pesa-me ainda mais o que suporto. Eis, com efeito, sou agora batido pelas vagas de alto mar, e os ventos de forte tempestade despedaçam a nau de minha mente; quando me lembro da vida anterior, suspiro como se estivesse vendo atrás de mim o litoral. E, o que é ainda mais triste, enquanto sou levado no tumulto de imensas ondas, mal posso ver o porto que deixei; pois esta é a lei das quedas do espírito: primeiro, ele perde o bem que possui, mas ao menos se lembra de o ter perdido; depois, quando avança mais longe, acaba esquecendo o próprio bem que perdeu, e, finalmente, não vê mais, nem de memória, o que antes possuía por experiência. Daí se segue o que antes eu disse: se navegarmos mais adiante, já nem o porto de tranqüilidade que deixamos, podemos ver.
Às vezes, também, para aumento de minha dor, volta-me à lembrança a vida de alguns homens que de toda a mente deixaram este século. Vendo as alturas a que chegaram, fico sabendo quanto me encontro por baixo. A maioria deles agradou ao Criador numa vida retirada; para que o seu espírito novo não envelhecesse por ocupações humanas, Deus onipotente não quis que se ocupassem com trabalho deste mundo.” Mas poderei relatar melhor o diálogo (travado entre mim e Pedro), se distinguir perguntas e respostas pela indicação dos nomes dos interlocutores.
Pedro: “Não sabia que na Itália alguns homens brilharam notavelmente pelas virtudes de sua vida. Ignoro, pois, quem são estes cuja comparação te inflama. Não duvido, é verdade de que houve neste país homens bons, mas penso que ou não operaram absolutamente sinais e milagres, ou, se os operaram, foram até hoje de tal modo pas- sados em silêncio que não sabemos que os praticaram.”
Gregório: “Pedro, se eu referir o que desses homens perfeitos e aprovados eu só, pobre homenzinho, vim a saber do testemunho de gente boa e fidedigna, ou aprendi por mim mesmo, penso que o dia acabará antes da narrativa.”
Pedro: “Gostaria de que em resposta a perguntas minhas contasses alguma coisa desses homens. Não deve parecer condenável interromper com isto a exposição da Escritura, porque não menos edificação provém da lembrança dos milagres. Na exposição da Escritura conhece-se o modo de encontrar e conservar a virtude; na narração dos milagres, conhecemos como se manifesta a virtude encontrada e conservada. E há muita gente que mais pelo exemplo do que pela palavra se inflama de amor pela pátria celeste. Muitas vezes mesmo os exemplos dos Pais trazem à alma do ouvinte uma dupla ajuda, pois, se, de um lado, ele se afervora no amor da vida futura pela comparação com os que o precederam, de outro lado, também se humilha, se julga ser alguma coisa, ao conhecer que outros foram melhores.”
Gregório: “O que fiquei sabendo pela narração ouvida de homens veneráveis, também eu o narrarei sem hesitação, seguindo um exemplo de santa autoridade; pois me é mais claro do que a luz que Marcos e Lucas aprenderam, não por ver, mas por ouvir, o Evangelho que escreveram. Todavia, para tirar aos leitores qualquer ocasião de dúvida, referirei em cada caso que descrever, os autores por quem fui informado. Quero, porém, chamar a tua atenção para o seguinte: em alguns casos guardarei apenas o sentido, enquanto, em outros, tanto o sentido como as palavras dos relatores. A razão é que, se de todas as pessoas eu quisesse conservar textualmente as palavras, a linguagem de escritor não poderia reproduzir dignamente as que foram proferidas em linguagem rústica. Foi de anciãos muito veneráveis que ouvi o que passo a contar.”
Prólogo de São Gregório Magno ao segundo livro dos diálogos
“Houve um varão de vida venerável, Bento tanto pela graça quanto pelo nome, que desde a infância possuía um coração maduro. Superior, pelo modo de proceder, ao verdor da idade, a nenhuma volúpia entregou seu coração, e assim, enquanto se achava nesta terra, da qual por algum tempo pudera gozar livremente, desprezou, como já murchas, as flores do mundo.
Oriundo de nobre estirpe da província de Núrsia fora encaminhado a Roma para o estudo das belas letras. Vendo, porém, muitos nesses estudos rolarem pelo despenhadeiro do vicio, recolheu logo o pé que quase pusera no limiar do mundo, no temor de que, tocando algo da sua ciência, viesse também ele a despenhar-se por inteiro no tremendo abismo.
Desprezando, pois, tais estudos, deixou a casa e os bens paternos, e, no desejo de agradar somente a Deus, procurou o santo hábito do monarquismo. Retrocedeu, assim, doutamente ignorante e sabiamente insensato.
Não conheço todos os feitos desse varão, mas o pouco que contarei, sei-o pela narração de quatro discípulos seus: Constantino, homem respeitabilíssimo, que lhe sucedeu na direção do mosteiro; Valentiniano, que regeu por muitos anos o mosteiro do Latrão; Simplício, que foi o seu segundo sucessor na direção da comunidade; Honorato, que até hoje dirige o mosteiro onde Bento antes viveu.”
Cap. I
A reparação do crivo quebrado
Deixando, pois, as humanidades, resolveu procurar um lugar ermo, seguido apenas pela aia, que o amava com ternura. Chegaram, assim, a certa localidade chamada Enfide, onde, entretidos pela caridade de muitos homens de virtude, ficaram morando junto à igreja de São Pedro Apóstolo. Um dia, a ama pediu às vizinhas que lhe emprestassem um crivo para limpar o trigo; tendo-o, porém, deixado descuidadamente sobre a mesa, o crivo caiu e se quebrou, ficando partido em dois pedaços. Quando, porém, o piedoso e bondoso jovem Bento encontrou a ama chorando, compadecido da sua dor, pegou os dois cacos do vaso, e, levando-os consigo, entregou-se à oração com lágrimas. Quando se ergueu da oração, viu junto de si o crivo de tal forma integro que nenhum vestígio se podia descobrir da fratura. Então, pronta e carinhosamente consolou a ama, devolvendo-lhe são o vaso que levara em cacos.
Este fato passou ao conhecimento de todos os habitantes do lugar, e foi tido em tanta admiração que penduraram à porta da igreja o crivo restaurado, a fim de que os contemporâneos e os pósteros todos ficassem sabendo em que grau de perfeição o jovem Bento principiara a graça da vida monástica. A vasilha ficou por muitos anos exposta aos olhares de todos, pendendo à porta da igreja até estes tempos dos Lombardos.
Bento, porém, mais apetecendo os maus tratos que os louvores do mundo, e preferindo fatigar-se de trabalhos por Deus a ser alçado pelos favores desta vida, fugiu ocultamente da ama e foi dar a um retiro deserto, no lugar denominado Subiaco, distante de Roma cerca de quarenta milhas. Ai brota uma Água fresca e transparente, que, correndo com abundancia, primeiro forma um grande lago, do qual deriva, afinal, um rio.
Quando para ali se encaminhava em fuga, encontrou certo monge de nome Romano, que lhe perguntou aonde ia. Ciente do seu desejo, não só guardou segredo mas ainda lhe prestou ajuda e deu o hábito do monacato, servindo-o no que podia.
Chegado a tal lugar, o homem de Deus recolheu-se a apertadíssima gruta, onde morou três anos ignorado de todos, excetuado o monge Romano. Este último vivia num mosteiro próximo, sob a regra do abade Adeodato, a cujo olhar piedosamente furtava algumas horas para levar a Bento, em determinados dias, a parte de pão que conseguira subtrair ao próprio consumo. Não havia caminho do mosteiro de Romano á gruta, por causa de um alto rochedo que em cima da gruta fazia saliência; mas Romano, do alto dessa pedra, costumava fazer descer o pão pendurado a uma corda comprida a que prendera uma campainha para que o homem de Deus, ao ouvir-lhe o toque, soubesse que era a hora de baixar o alimento, e saísse a tomá-lo.
Um dia, porém, o antigo inimigo, invejando a caridade de um e a refeição do outro, quando viu descer o pão, jogou uma pedra e quebrou a campainha. Romano, não obstante, não desistiu de prestar por meios aptos o seu serviço.
No entanto, Deus todo-poderoso queria, de um lado, descansar Romano do trabalho, e, doutro lado, exibir aos homens, para exemplo, a vida de Bento, a fim de que brilhasse como lâmpada sobre o candelabro, iluminando todos os que estão na casa. Por isto, o Senhor dignou-se a aparecer a certo presbítero que morava longe e acabava de preparar, no dia de Páscoa, a própria refeição; disse-lhe: “Preparas delicias para o teu próprio gozo, enquanto o meu servo em tal lugar é atormentado pela fome!” O sacerdote levantou-se imediatamente e no próprio dia da Solenidade de Páscoa, com os alimentos que para si prepara, saiu na direção indicada, procurando o homem de Deus através dos montes escarpados, pelos vales e fossas do terreno, até que o achou escondido na gruta. Depois de rezarem, assentaram-se bendizendo a Deus todo-poderoso; após suaves colóquios sobre a vida eterna, o recém-vindo disse estas palavras: “Eia, tomemos alimento, porque hoje é Páscoa, pois mereci a graça de te ver”. Morando longe dos homens, Bento ignorava que a solenidade pascal era naquele dia; mas o venerável presbítero de novo lho asseverou: “Em verdade hoje é Páscoa, o dia da Ressurreição do Senhor. De modo nenhum te fica bem jejuar, pois aqui fui mandado justamente para que juntos partilhemos as dádivas de Deus todo-poderoso”. Louvando, pois, o Senhor, tomaram alimento; e, finda a refeição e o colóquio, voltou o padre para a sua igreja.
Por esse mesmo tempo também alguns pastores o encontraram escondido na caverna. Vendo – o entre arbustos, vestido de peles, julgaram a principio que fosse um animal selvagem; mas, quando ficaram conhecendo o servo de Deus, muitos se converteram da sua mente animal para a graça de uma vida piedosa. Assim o nome de Bento tornou-se conhecido pelos arredores; já desde então Bento começou a ser visitado por muitos que, trazendo-lhe a refeição para o corpo, levavam, em troca, nos corações, o alimento de vida que procedia dos lábios do santo.
Cap. II
A vitória sobre a Tentação da Carne
Certa vez, quando estava só, apareceu-lhe o tentador: uma dessas avezinhas pretas, conhecidas vulgarmente pelo nome de melro, começou a esvoaçar em torno do seu rosto e a chegar importunamente tão perto que o santo homem, se o quisesse, a poderia apanhar com a mão. Em vez disto, fez o sinal da cruz, e o pássaro afastou-se. Desaparecida, porém, a ave, seguiu-se-lhe grande tentação carnal, qual nunca o santo experimentara. Conhecera outrora certa mulher, que o espírito maligno lhe fazia por essa ocasião voltar aos olhos do espírito, inflamando de tal modo o coração do servo de Deus a lembrança de sua formosura, que seu peito mal podia conter as chamas do amor, e que quase pensava em abandonar o deserto, vencido pela paixão. Mas eis que de repente foi contemplado pela graça celeste, e voltou a si; vendo, então, ao lado de si crescerem densas moitas de urtigas e espinhos, atirou-se, despido, a essas pontas e a essas chamas, onde se revolveu por tanto tempo, que, ao sair, estava ferido por todo o corpo. Assim expulsou do corpo, pelas feridas da carne, a chaga do espírito: convertera em dor a volúpia. Ardendo por fora em justa punição, apagou o que por dentro ilicitamente queimava. Venceu, pois, o pecado, porque transformou a natureza do incêndio. E a partir dessa época, como ele mesmo dizia aos discípulos, foi nele a tal ponto subjugada a tentação da volúpia que nunca mais a sentiu. Muitos, então, começaram a deixar o mundo e a acorrer ao seu magistério: livre que estava do mal da tentação, mereceu tornar-se mestre de virtudes. Por isso é que Moisés determina que os Levitas sirvam a partir dos vinte e cinco anos, e que, depois dos cinqüenta, se tornem guardas dos vasos sagrados (Num 8,24-26).” Pedro: “Entendo em parte o sentido do testemunho (bíblico) que aduzes, mas peço que o expliques mais plenamente.” Gregório: “É evidente, Pedro, que na juventude ferve a tentação da carne, mas, depois dos cinqüenta anos, arrefece o calor do corpo; quanto aos vasos sagrados, são as mentes dos fiéis. É preciso, pois, que, enquanto estão sujeitos à tentação, os eleitos sejam submissos e sirvam, fatigando-se em obediência e trabalhos. Quando, porém, na idade tranqüila da mente, tenha passado o calor da tentação, tornam-se guardas dos vasos, isto é, doutores das almas.” Pedro: “Confesso que a explicação me satisfaz. E, agora que já desvendaste o sentido da passagem trazida em testemunho, peço-te que continues a descrever o que foi começado da vida desse justo.”
Cap. III
O copo de vidro quebrado com o Sinal da Cruz
Gregório: “Vencida a tentação, o homem de Deus, como terra bem cultivada e expurgada de espinhos, produziu com maior abundância o fruto da seara das virtudes. E, com a divulgação da fama de sua exímia vida monacal, ia-lhe o nome ficando célebre. Ora, havia a não grande distância um mosteiro cujo abade falecera. Toda a comunidade foi ter então com o venerável Bento, e instantemente pediu-lhe quisesse ficar à sua frente. O santo recusou por muito tempo, predizendo que não poderia harmonizar os seus costumes com os daqueles irmãos. Mas, afinal, vencido pelos rogos, cedeu. Já porém, que vigiava naquele mosteiro pela observância da vida regular e a ninguém permitia que por ações ilícitas se desviasse, como antes, do caminho monástico, os irmãos que ele aceitara, encheram-se de fúria e puseram-se primeiro a acusar a si mesmos por terem pedido a Bento que os regesse; sua vida tortuosa ia em oposição à reta norma do abade. Como viam que, sob tal abade, o ilícito já não lhes era permitido, e como lhes doía abandonar os antigos hábitos, achando eles dura a obrigação de meditar coisas novas na sua mente velha, alguns deles - já que aos maus é sempre pesada a vida dos bons - tramaram a morte do abade, e, tomado o alvitre em conselho, deitaram-lhe veneno ao vinho. Quando apresentaram ao Pai, sentado à mesa, o copo da bebida pestífera para ser abençoado segundo o costume da casa, Bento estendeu a mão e fez o sinal da cruz. A este gesto, o vaso, que estava distante, estalou e fez-se em pedaços, como se naquela taça de morte tivesse dado, em vez da cruz, uma pedrada. Compreendeu logo o homem de Deus que o copo contivera uma bebida mortal, pois não pudera suportar o sinal da vida. Levantou-se no mesmo instante, e, com o rosto plácido, a mente tranqüila, convocou os irmãos, aos quais assim falou: “Deus tenha compaixão de vós, irmãos. Porque me quisestes fazer isto? Não vos disse eu previamente que não se harmonizariam os vossos e os meus costumes? Ide, e procurai para vós um Pai consoante à vossa vida; depois disto já não me podereis reter”.
Voltou, então, ao recanto da dileta solidão, e só, sob os olhares do Contemplador Superno, pôs-se a viver consigo mesmo.” Pedro: “Não entendo bem o que significa isto: «viver consigo mesmo”. Gregório: “Se o santo varão pretendesse ter por muito tempo sob seu poder e coação irmãos que conspiravam unanimemente contra ele e eram de vida tão diferente da sua, talvez excedesse o limite das próprias forças, perdesse a tranqüilidade, e. assim, baixasse da luz da contemplação, os olhos da mente. Cansando-se em lidar cada dia com a incorreção de outros, cuidaria menos de si próprio, e, desta forma, talvez viesse a perder-se a si, sem achar os outros. Pois, quando somos arrastados muito fora de nós pela agitação do pensamento, continuamos a ser nós mesmos, mas não estamos em nós mesmos, porque deixamos de olhar para dentro de nós e vagamos pelas outras coisas. Acaso diremos que vivia consigo aquele que partiu para longe, consumiu o quinhão recebido e se empregou na casa de um habitante do lugar, deu de comer a porcos, que via fartarem-se de favas, enquanto ele mesmo tinha fome? Depois, porém, começou a pensar nos bens que perdera, e então foi escrito dele: “Voltando a si, disse: Quantos mercenários têm pão em abundância na casa de meu pai!” (Lc 15,17). Ora, se estava em si mesmo, como é que voltou a si? Disse eu, pois, que esse venerável homem viveu só consigo, porque, sempre prudente na guarda de si mesmo, vendo-se continuamente ante os olhos do Criador e examinando-se sem cessar, nunca deixou que lhe divagasse fora o olhar da mente”. Pedro: “Como entender o que está escrito do Apóstolo Pedro, quando foi tirado do cárcere pelo anjo? Ele, “voltando a si, disse: Agora sei, na verdade, que o Senhor enviou o seu anjo e me livrou do poder de Herodes e de toda a expectativa do povo dos Judeus” (Atos 12,11). Gregório: “De dois modos, Pedro, somos levados para fora de nós: ou caímos abaixo de nós mesmos pela queda do pensamento, ou somos transportados acima, pela grafa da contemplação. Aquele, pois, que guardou porcos, caiu, por pensamentos divagantes e imundos, abaixo de si, enquanto aquele que o anjo libertou e arrebatou no êxtase do espírito, esteve também fora, mas acima, de si.
Cada um deles, portanto, “ voltou a si”: um, deixando as obras erradas, recolheu-se a própria alma; o outro, descendo das alturas da contemplação, voltou ao modo comum de inteligência, como dantes. Por conseguinte, o venerável Bento, naquela solidão, viveu só consigo, enquanto se manteve dentro da clausura do pensamento; pois todas às vezes que o ardor da contemplação o raptou para as alturas, ele se deixou, sem dúvida, abaixo de si mesmo”. Pedro: “Apraz-me o que dizes; mas queria saber se ele podia deixar os irmãos que tinha tomado a si para sempre.” Gregório: “Em minha opinião, Pedro, julgo que onde existem alguns bons que possam ser ajudados, devem os maus ser suportados com paciência. Mas onde falta, por completo, o fruto dos bons, torna-se, finalmente, inútil o trabalho gasto com os maus, mormente se perto há outras condições capazes de produzir fruto para Deus. Por causa de quem ficaria ó santo homem ali, pendo todos em peso contra si? Muitas vezes, também, no espírito dos perfeitos se dá uma coisa que não devemos passar em silêncio: vendo sem resultado o seu esforço, passam a outro lugar, onde trabalhem com fruto. Por este motivo, aquele grande pregador, que ardia por “ dissolver-se” e “para quem Cristo constituía o viver, e a morte, lucro” (Fil 1,21-23) que não só apeteceu os sofrimentos para si, mas ainda inflamou os outros para tolerá-los, esse grande pregador, quando foi alvo de perseguição em Damasco, procurou, para evadirse, a muralha, cordas e um cesto, e quis ser baixado às ocultas (2 Cor 11,32-33). Diremos, por ventura, que Paulo temeu a morte, que ele próprio afirma ter cobiçado por amor de Jesus? A verdade é que, vendo esperá-lo ali menos fruto e maior trabalho, se reservou para trabalhar em outra parte com maior proveito; pois o robusto combatente de Deus não quis ficar encerrado no acampamento, mas buscou o campo de batalha. Donde também em breve verás, se prestares atenção, que o mesmo venerável Bento não deixou de lado tantos rebeldes quantos ressuscitou, alhures, da morte da alma.” Pedro: “É como dizes; mostra-o tanto a razão evidente como o adequado testemunho da Escritura. Peço-te agora que voltes à narração da vida de tão grande Pai.”
Gregório: “Como o santo homem, vivendo muito tempo naquela solidão, crescesse em virtude e milagres, foi reunindo muitos no lugar para o serviço de Deus todo-poderoso. Pôde, assim, construir, com a ajuda de Jesus Cristo Senhor onipotente, doze mosteiros, em cada um dos quais colocou doze monges sob um abade instituído; consigo, porém, conservou alguns poucos, que julgou conveniente se formassem ulteriormente em sua presença. Por esse tempo, também, começaram a afluir de Roma pessoas nobres e piedosas, que lhe davam os filhos a fim de que os criasse para Deus todo-poderoso. Foi então que Equício fez a entrega de Mauro, e o nobre Tertulo, a de Plácido, flores das esperanças paternas. Mauro, adolescente que se distinguia pelos bons costumes, começou a prestar auxílio ao Mestre, enquanto Plácido ainda se achava em idade infantil.”
Cap. IV
O monge divagante reconduzido à Salvação
Em um dos mosteiros que construíra ao redor, havia certo monge que não conseguia ficar em oração. Logo que os irmãos se inclinavam nesse exercício, saía e punha-se a revolver na mente vadia coisas mundanas e transitórias. Admoestado várias vezes por seu abade, foi por fim conduzido ao homem de Deus, que lhe increpou com veemência a insensatez; de volta, porém, ao seu mosteiro, mal conseguiu observar por dois dias a admoestação do homem de Deus; já ao terceiro, recaindo no velho hábito, entrou de novo a vaguear na hora da oração. Quando isto foi contado ao servo de Deus pelo pai do mosteiro, respondeu aquele: «Irei eu mesmo, e pessoalmente o emendarei”. O homem de Deus foi, com efeito, ao dito mosteiro, e na hora marcada, quando os irmãos depois da salmodia se entregavam à oração, observou que o monge que não podia ficar rezando, era arrastado por um negrinho, que o puxava pela orla do hábito. À vista disso, Bento perguntou secretamente ao abade do mosteiro, Pompeiano, e ao servo de Deus, Mauro: “Não vedes, então, quem é que puxa esse monge?” Responderam que não. Ao que retorquiu : “Oremos para que vejais também vós a quem é que esse monge segue”. Depois de dois dias de oração., Mauro monge o viu, ao passo que Pompeiano, pai do mosteiro, não o conseguiu. Ora, no dia seguinte, saindo do oratório depois do ofício, o homem de Deus topou com o dito monge em pé do lado de fora, e aí com uma vara bateu-lhe de rijo, por causa da cegueira de seu coração. Desde esse dia o monge nunca mais se deixou induzir pelo pretinho, permanecendo sossegado na prática da oração, e o antigo inimigo não mais se atreveu a dominar-lhe o pensamento, como se fora ele mesmo que levara as pancadas.
Cap. V
A água que por oração do homem de Deus brotou de uma pedra no cume do monte
Dos mosteiros que Bento edificara na mesma região, três ficavam em cima de rochedos da montanha. Era, por isto, muito penoso aos irmãos descer sempre ao lago para buscar água, tanto mais que o declive do monte constituía grave perigo para todos aqueles que, cheios de medo, por ele desciam. Reuniram-se, então, os irmãos desses três mosteiros, e foram ter com o servo de Deus, Bento, dizendo: “É-nos penoso ir todos os dias ao lago buscar água, e por isto é necessário mudar de lugar os nossos mosteiros”. Bento os consolou com brandura e despediu. Na mesma noite, porém, com o menino Plácido, de que acima falei, subiu ao rochedo do monte, e ali orou por muito tempo. Acabada a oração, colocou no dito lugar três pedras como sinal e, sem que os outros percebessem qualquer coisa, voltou ao seu mosteiro. No dia seguinte, tendo os irmãos voltado à sua presença para tratar das dificuldades da água, assim lhes falou: “Ide, e cavai um pouco o rochedo no sítio em que achardes três pedras sobrepostas; Deus Todo-Poderoso é capaz de fazer brotar água até naquele cume de montanha, para poupar-vos o cansaço de tão grande caminhada”. Ora, indo eles à pedra do monte indicada por Bento, encontraram-na já gotejante. E, quando nela praticaram uma cova, esta logo se encheu de água, que brotou com tanta abundância que ainda hoje corre em quantidade, e serpeja desde o pico até as faldas da serra.”
Cap. VI
O ferro que do fundo da água voltou ao próprio cabo
Em outra ocasião, certo godo, pobre de espírito, procurou a vida monástica, e foi recebido com o maior agrado pelo homem de Deus. Um dia, este mandou dar-lhe um instrumento semelhante a uma foice, para remover os espinheiros de certo lugar que devia ser transformado em horta. O lugar que o godo recebeu para limpar, estava situado à margem do lago. Quando roçava com toda a força as densas moitas de espinheiro, eis que o ferro, saltando do cabo, caiu no lago, precisamente onde tanta era a profundidade das águas que não havia esperança de recuperá-lo. Perdida a ferramenta, correu o godo, todo trêmulo para o monge Mauro, a quem narrou o dano que causara, fazendo ainda penitência pela falta. O monge Mauro tratou logo de referir o fato ao servo de Deus, Bento. Tendo-o ouvido, o homem do Senhor encaminhou-se para o lugar, tomou da mão do godo o cabo e mergulhou-o no lago; na mesma hora o ferro subiu do fundo e entrou no cabo. Bento, então, restituiu a ferramenta ao godo, dizendo: “Eis, trabalha agora, e não fiques triste.”
Cap. VII
Como Mauro, discípulo de Bento, caminhou sobre as águas
Um dia, quando o venerável Bento estava na cela, o jovem Plácido, monge do santo varão, saiu para tirar água do lago. Quando, porém, mergulhou a vasilha que segurava, tão incautamente o fez que ele mesmo, caindo, a acompanhou. A correnteza logo o colheu e levou para o meio do lago, à distância da margem de quase uma flexada. O homem de Deus, embora na cela, no mesmo instante teve notícia do acidente e chamou Mauro depressa, dizendo: “Irmão Mauro, corre, pois o menino que foi buscar água, caiu no lago e já está longe, levado pela corrente”. Coisa admirável e não vista depois do apóstolo Pedro! Tendo pedido e recebido a bênção, Mauro saiu ligeiro movido pela ordem do Pai, e nisto correu sobre as águas, pensando que ia por terra, até o ponto aonde chegara o menino arrastado pela onda; agarrou-o pelos cabelos e voltou também a curso rápido. Logo que pisou terra, voltando a si, olhou para trás e viu que correra em cima das águas. E, como não podia presumir que isto deveras tivesse acontecido, cheio de admiração temeu o fato. Voltando ao Pai, contou-lhe o sucedido. O venerável Bento começou, então, a atribuir o caso não aos próprios méritos, mas à obediência de Mauro. Este, porém, replicando, dizia que era devido somente ao mandado do Pai, e que não tinha consciência daquele prodígio, que sem saber praticara. Nessa amistosa contenda de humildade sobreveio como árbitro o menino que fora salvo; o qual assim falou: “Quando eu era arrebatado das águas, via sobre minha cabeça a melota do abade, e contemplava-o a tirar-me das águas”. Pedro: “Muito grandes são as coisas que narras, e proveitosas para a edificação de muitos. De minha parte, quanto mais bebo dos milagres desse santo varão, mais sede tenho.”
Cap. VIII
O pão envenenado que o corvo levou para longe
Gregório: “Já aqueles lugares estavam em grande extensão abrasados do amor de Jesus Cristo, Deus Nosso Senhor, e muitos cristãos tinham abandonado a vida secular para ali domar o orgulho do coração sob o suave jugo do Redentor. Como é costume dos maus invejar aos outros o bem da virtude que eles mesmos não procuram praticar, eis que o padre de uma igreja próxima, chamado Florêncio (avô do nosso subdiácono Florêncio), tocado da maldade do antigo inimigo, começou a ter ciúme do santo homem, e pôs-se a denegrir sua vida de monge e a impedir quantos podia, de irem visitá-lo. Vendo, afinal, que não conseguia opor-se aos progressos de Bento, vendo que crescia a fama de sua santidade, e que muitos, pelo simples pregão dessa fama, eram continuamente chamados a um estado de vida melhor, FIorêncio, mais e mais abrasado pela inveja, ia-se tornando cada vez pior: os louvores merecidos pela vida de Bento, ele os apetecia; vida tão louvável, porém, não a queria levar. A tal ponto Boi obcecado pelas trevas da inveja, que chegou a enviar de presente ao servo de Deus todo-poderoso um pão envenenado. O homem de Deus o recebeu agradecido, mas não lhe ficou oculta a peste que no pão se ocultava. Ora, acontecia que à hora da refeição, costumava vir da floresta próxima um corvo, que recebia pão das mãos de Bento. Quando então chegou como de costume, o homem de Deus lançou diante do corvo o pão envenenado do presbítero, e deu-lhe esta ordem: “Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, toma este pão e atira-o num lugar tal que não possa ser achado por ninguém”. O corvo, então, de bico e asas abertos, começou a esvoaçar e a crocitar em redor do pão como se dissesse claramente que queria obedecer, mas não podia. No entanto, o homem de Deus ordenava repetidas vezes: “Leva, leva sem medo, e vai jogá-lo onde não possa ser encontrado”. Finalmente, depois de hesitar por muito tempo, o corvo tomou o pão no bico e, levando-o, partiu. Ao cabo de três horas voltou sem o pão , que lançara fora, e recebeu das mãos do homem de Deus a ração costumeira.
Vendo o venerável Pai que o coração daquele sacerdote se inflamava de ódio contra sua vida, mais se condoía dele que de si mesmo. Ora, o citado Florêncio, já que não lograra matar o corpo do mestre, tomou a peito acabar com as almas dos discípulos. Por conseguinte, à vista destes introduziu no quintal do mosteiro em que estava Bento, sete moças nuas, que, de mãos dadas, dançaram diante deles por muito tempo, a fim de inflamar-lhes o espírito para as depravações da luxúria. Vendo isto da cela, e temendo a queda dos discípulos mais jovens, o santo homem, que bem se dava conta de ser o único motivo da perseguição, acabou por ceder à inveja: nomeou os superiores, e distribuiu os irmãos pelos mosteiros que edificara; e, levando consigo alguns poucos monges, mudou de domicílio. Tão logo, porém, o servo de Deus se esquivava humildemente aos ódios de Florêncio, e já Deus onipotente castigava a este de terrível forma. Pois, estando no terraço, donde com prazer contemplava a partida de Bento, o mesmo ruiu, enquanto permanecia ileso o resto da casa, e, esmagando o inimigo de Bento, acabou com ele.
O discípulo do homem de Deus chamado Mauro julgou que devia imediatamente anunciar o fato ao venerável Pai Bento, que apenas caminhara umas dez milhas, e disse-lhe: “Volta, pois o presbítero que te perseguia, morreu. Ao ouvi-lo, prorrompeu Bento em fortes lamentos, tanto pela morte do inimigo como pela alegria que com ela teve o discípulo. Do fato seguiu-se que Bento impôs uma penitência ao discípulo, pois este, ao contar o ocorrido, ousara regozijar-se pelo fim do inimigo.” Pedro: “São admiráveis e estupendas as coisas que dizes. Com efeito, na água que brotou da pedra, vejo Moisés (Num 20,11) ; no ferro que voltou do fundo d’água, Eliseu (4 Reis 6,7) ; no caminhar sobre as águas, Pedro (Mt 14,29) ; na obediência do corvo, Elias (3 Reis 17,6) ; no luto pela morte do inimigo, Davi (2 Reis 1,11; 18,13). Como posso avaliar, este varão foi cheio do espírito de todos os justos.” Gregório: “O homem de Deus, ó Pedro, possuiu o espírito do Deus único, que pela graça da Redenção encheu o coração de todos os eleitos, e de quem diz , João: “Era a verdadeira luz que ilumina todo homem que vem a este mundo” (Jo 1,9). E ainda: “Da sua plenitude nós todos recebemos” (ibd. 1,16) . De fato, os santos homens de Deus puderam obter do Senhor milagres, mas não os puderam transmitir a outrem. O Senhor, porém, deu os sinais da virtude aos seus súditos, Ele que prometeu dar o sinal de Jonas aos seus inimigos, de modo que se dignou de morrer ante os soberbos e ressuscitar ante os humildes, para que aqueles vissem o que iam desprezar, e estes contemplassem o que com veneração deveriam amar. Deste mistério se seguiu que, enquanto os soberbos só viram o aspecto ignominioso da morte, os humildes receberam a glória de poder contra ela”. Pedro: “Peço-te agora que digas para que lugar se dirigiu o santo homem, e se lá praticou novos milagres.” Gregório: “Saindo o santo homem para outras paragens, mudou de lugar, mas não de inimigo. Pois os combates que depois sustentou, foram tanto mais duros, quando foi desde então o próprio mestre da maldade que teve abertamente contra si. O lugar fortificado chamado Cassino está situado no flanco de elevada montanha, a qual o abriga dentro de extensa garganta, e depois, alteando-se ainda por três milhas, como que prolonga até as nuvens o seu cume. Aí em cima tinham os antigos um templo onde, segundo o costume dos primitivos gentios, Apolo era venerado por insensata multidão de camponeses. Cresciam por toda a parte em torno bosques consagrados ao culto dos demônios, onde a turba insana dos infiéis ainda naquele tempo oferecia sacrifícios sacrílegos. Chegado a tal lugar, o homem de Deus despedaçou o ídolo, derrubou a ara, incendiou os bosques e estabeleceu no próprio templo de Apoio a capela de S. Martinho, enquanto no lugar da ara do mesmo Apoio construiu a capela de S. João. Além disto, chamava à fé, por contínuas pregações, a multidão que morava nas redondezas. Não podendo suportar tudo isso em silêncio, o antigo inimigo oferecia-se aos olhos do Pai, não mais ocultamente ou em sonhos, mas em visão manifesta, e queixava-se, com tais clamores, de sofrer violência, que também os irmãos lhe podiam escutar os gritos, sem, todavia, lhe discernir a figura. Conforme referia o venerável Pai aos discípulos, o antigo inimigo aparecia diante dos seus olhos corporais, hediondo e envolto em chamas; com a boca e os olhos chamejantes parecia investir contra ele. O que dizia, porém, todos o ouviam. Primeiro, chamava Bento pelo nome. Já que este não respondia, logo disparava em doestos. Assim é que, ao chamá-lo “Bento, Bento”, vendo que não obtinha resposta alguma, imediatamente acrescentava: “Maldito e não Bento, que tens tu comigo? Porque me persegues? Consideremos agora os novos combates do antigo inimigo contra o servo de Deus, ao qual aquele quis fazer guerra, mas acabou por proporcionar, sem querer, ocasiões de vitória.”
Cap. IX
A enorme pedra levantada por oração do homem de Deus
Certo dia, quando os irmãos trabalhavam na construção do mosteiro, achava-se uma pedra que resolveram levar para a obra. E, já que dois ou três não a conseguiam remover, outros se lhes juntaram. A pedra, porém, continuava imóvel como se tivesse raízes no chão. A coisa era tal que dava claramente a entender que em cima da pedra estava sentado o próprio antigo inimigo, já que as mãos de tantos homens não a podiam mover. Mandaram, então, comunicar a dificuldade ao homem de Deus, pedindo-lhe que viesse e, rezando, expulsasse o inimigo, a fim de que pudessem levantar a pedra. Aquele veio sem demora, orou, deu a bênção, e com tanta presteza foi a pedra erguida, que se diria que nunca tivera peso algum.”
Cap. X
O incêndio imaginário da cozinha
Então ao homem de Deus pareceu oportuno cavarem a terra naquele mesmo sítio. Ora, sucedeu que, cavando muito fundo, os irmãos encontraram um ídolo de bronze. Atiraram-no logo para longe, indo o mesmo cair por acaso na cozinha; em conseqüência, viu-se de repente sair fogo do lugar, e pareceu aos olhos de todos que o prédio da cozinha era devorado pelas chamas. Como, jogando água para apagar o fogo, fizessem grande vozerio, o homem de Deus, atraído pelo ruído, aproximou-se. Considerando, então, que o fogo estava somente nos olhos dos irmãos e não nos seus, baixou logo a cabeça em oração, e, chamando a si os irmãos que via iludidos pelo incêndio fantástico, admoestou-os a persignarem os olhos para que percebessem estar ileso o edifício da cozinha, e deixassem de ver as chamas imaginárias que o antigo inimigo lhes sugeria”.
Cap. XI
O jovem monge esmagado pela queda da parede e restabelecido pela oração de Bento
Doutra feita, quando os irmãos, obedecendo a uma exigência da construção, levantavam um pouco mais certa parede, o homem de Deus conservava-se na cela, aplicado à oração. Apareceu-lhe então o antigo inimigo insultando-o, e deu-lhe a saber que ia ter com os irmãos no trabalho. Informado, o homem de Deus mandou-lhes a toda pressa um mensageiro, dizendo: “Irmãos, agi com cautela, pois aí vai agora o espírito maligno. Mal acabara de falar o que levava a mensagem, e já o mau espírito derrubara a parede em obras e sob os seus escombros esmagara um jovem monge, filho de certo oficial da corte. Consternados todos e cheios de aflição, não pelo dano da parede mas pelo esmagamento do irmão, correram a contar com profunda dor o desastre ao venerável Pai Bento. Este ordenou que lhe levassem o corpo dilacerado do rapaz. Só puderam levá-lo num manto, pois as pedras da parede lhe tinham triturado não só os membros mas também os ossos. O homem de Deus mandou no mesmo instante que o pusessem em sua cela sobre a esteira onde costumava rezar. A seguir, despediu os irmãos, fechou a cela e debruçou-se em oração mais instante do que de costume. Coisa admirável! Na mesma hora, o abade mandava novamente o jovem ao trabalho, são e forte como dantes, para que terminasse a parede com os irmãos aquele de cuja morte se queria aproveitar o antigo inimigo para zombar de Bento.”
Cap. XII
Os monges que comeram fora do mosteiro
Nesses entrementes, começou o homem de Deus a possuir também o espírito de profecia, predizendo o futuro e anunciando aos presentes as coisas distantes. Era costume do mosteiro, todas as vezes que os monges saiam para qualquer missão, que se abstivessem de comer e beber fora do mosteiro. Observava-se com toda a solicitude esse uso da Regra. Certo dia, porém, saíram alguns irmãos a mandado, e viram-se obrigados a ficar fora até hora mais tardia. Sabendo que perto donde estavam residia uma religiosa mulher, entraram em sua casa e tomaram alimento. Quando tarde voltaram ao mosteiro, pediram, como de costume, a bênção ao Pai; o qual logo os interrogou: “Onde comestes?” - “Em parte alguma”, responderam. Ao que retorquiu: “Porque mentis desse modo? Acaso não entrastes na casa de tal mulher? Não tomastes tais é tais comidas, não bebestes tantos copos?” Como o venerável Pai lhes descrevesse não só a hospedagem da mulher, mas também o gênero dos pratos e o número dos copos que haviam tomado, reconheceram tudo que haviam feito, e, caindo trêmulos a seus pés, confessaram a falta. O homem de Deus, porém, logo lhes perdoou a culpa, considerando que para o futuro não tornariam a cometer tal em sua ausência, pois saberiam que lhes estava presente em espírito.”
Cap. XIII
O irmão do monge Valentiniano, que o homem de Deus soube que comera em viagem
O monge Valentiniano, já mencionado no início, tinha um irmão, homem leigo mas piedoso, o qual, para receber a bênção do homem de Deus e visitar o irmão, costumava anualmente ir, em jejum, da sua casa ao mosteiro. Certa vez, quando estava em viagem para ali, associou-se-lhe outro viajante, que levava alimentos para a jornada. Quando a hora ia adiantada, este disse-lhe: “Vamos, irmão, comer alguma coisa para não nos cansarmos no caminho”. Aquele, porém, respondeu-lhe: “Longe de mim, irmão; não farei isto, pois sempre tive o costume de comparecer em jejum ante o venerável Pai Bento”. Ouvindo esta resposta, o companheiro calou-se por algum tempo. Depois, porém, de terem caminhado mais um pouco, insistiu novamente em que comessem. Aquele que decidira chegar em jejum, recusou. O que convidara, então, tornou a calar-se, e consentiu em prosseguir um pouco mais com ele, sem comer. Quando caminhavam mais adiante e a hora tardia chegou a fatigálos de tanto andar, deram com um prado e uma fonte, e tudo mais que podia parecer agradável para restaurar o corpo. Disse, então, o companheiro de viagem: “Aqui temos água, temos relva e temos um lugar ameno, onde podemos recobrar forças e descansar um pouco, a fim de terminar em boas condições a nossa marcha”. Com os ouvidos afagados por essas palavras e os olhos seduzidos pelo lugar, o irmão de Valentiniano deixou-se persuadir pelo terceiro convite; consentiu finalmente e comeu. À tardinha chegou ao mosteiro. Levado à presença do venerável Pai Bento, pediu-lhe que o abençoasse. Mas no mesmo instante o santo homem exprobrou-lhe o que fizera em viagem, dizendo: “Como é, irmão, que o maligno inimigo, que te falou pela boca do companheiro, não conseguiu induzir-te nem da primeira vez, nem da segunda, mas da terceira convenceu-te e alcançou sobre ti a vitória que planejava?” Reconhecendo então, a culpa do seu fraco espírito, o visitante prosternou-se aos pés do santo, e tanto mais chorava e se envergonhava, quanto via que, apesar da distância, a sua falta fora cometida ante os olhos do Pai Bento”. Pedro: “Bem vejo que no coração desse santo homem habitava o espírito de Eliseu, que esteve presente ao discípulo distante” (4 Reis 5,26).
Cap. XIV
Como Bento descobriu o disfarce do rei Tótila
Gregório: “Convém, Pedro, que por enquanto te mantenhas em silêncio, para que aprendas coisas ainda maiores. No tempo dos Godos, como seu rei Tótila {/} tivesse ouvido que o santo varão possuía o espírito de profecia, dirigiu-se ao mosteiro e, parando a certa distância, mandou anunciar a sua vida. Como logo lhe viesse do mosteiro a resposta que fosse, Tótila, que sempre tivera um espírito traiçoeiro, cuidou de explorar se realmente o homem de Deus possuía o espírito de profecia. A um dos guardas de espada, chamado Rigo, depois de dar os próprios calçados e fazer vestir as vestes reais, mandou que se apresentasse ao homem de Deus, como se fosse o rei em pessoa. Para seu séquito destacou os três condes mais chegados ao rei: Vulterico, Ruderico e Blidino, para que, caminhando a seu lado, fingissem diante do homem de Deus acompanhar o próprio rei Tótila. Deu-lhe também outros pagens e guardas, para que, à vista de tal comitiva e das vestes de púrpura, fosse tido pelo rei. Quando Rigo, ornado desses trajes e acompanhado do numeroso cortejo, entrou no mosteiro, o homem de Deus estava sentado bem longe. Ao vê-lo chegar, e quando já podia ser ouvido, gritou-lhe estas palavras: “Deixa, filho, deixa tudo que trazes; não é teu”. Rigo caiu por terra no mesmo instante, e encheu-se de pavor por ter procurado enganar tão grande homem. Também os que vinham com ele arrojaram-se ao chão. Uma vez erguidos, nem tiveram a ousadia de acercar-se de Bento, mas, voltando ao seu rei, contaram-lhe, apavorados, quão depressa tinham sido descobertos.”
Cap. XV
A profecia feita ao rei Tótila e ao bispo de Canúsio
Então Tótila foi ter pessoalmente com o homem de Deus. Quando o rei, de longe, avistou Bento assentado, não ousou aproximar-se, mas prostrou-se por terra. E, como o homem de Deus lhe dissesse por duas ou três vezes: “Levanta-te”, sem que o rei se atravesse a fazê-lo, Bento, servo de Jesus Cristo, se dignou de encaminhar-se pessoalmente até o rei prostrado, levantou-o do chão, censurou-lhe as más ações e ainda prenunciou em poucas palavras tudo que estava para suceder-lhe: “Muito mal cometes, muito mal cometeste; já é tempo de pores termo à iniqüidade. Na verdade, entrarás em Roma, atravessarás o mar, reinarás nove anos e no décimo morreras”. Ouvido isto, o rei encheu-se de terror e, após pedir a oração do santo, foi-se embora. A partir desse tempo, começou a ser menos cruel. Pouco depois entrou em Roma e, em seguida, passou a Sicília. N o décimo ano do seu reinado, a juízo de Deus onipotente, perdeu o reino ao mesmo tempo que a vida. Também o bispo de Canúsio costumava visitar o servo de Deus, que muito o amava pelo mérito de sua vida. Um dia, conversando o prelado com Bento sobre a entrada de Tótila em Roma e a ruína da cidade, disse aquele: “Por esse rei a cidade será de tal modo destruída que deixará de ser habitada”. Ao que redarguiu o homem de Deus. “Roma não será destruída pelos gentios, mas, devastada por tempestades, raios, tormentos e terremotos, definhará por si mesma”. Os mistérios desta profecia já nos são mais claros do que a luz, pois vemos nesta cidade desmoronadas as muralhas, derribadas as casas, destruídas as igrejas pelo furacão, e contemplamos como em fre- qüentes desabamentos vêm abaixa os edifícios, esfalfados de adiantada velhice. O discípulo Honorato de quem tenho o relato, não o assevera ter ouvido do próprio santo, mas afirma que pelos outros irmãos lhe foi contado que Bento o disse.
Cap. XVI
O clérigo libertado do demônio por certo tempo
Pela mesma época certo clérigo da igreja de Aquino estava sendo atormentado pelo demônio. Já Constâncio, bispo dessa igreja, o fizera percorrer muitos sepulcros de mártires para alcançar a cura. Alas os santos mártires de Deus não lhe quiseram conceder o dom da saúde, para assim demonstrar quanta graça havia em Bento. Foi, pois, o clérigo levado ao servo de Deus onipotente, Bento, o qual, orando ao Senhor Jesus Cristo, logo expulsou do possesso o antigo inimigo. Depois de curá-lo, o santo preceituou-lhe: “Vai, e de agora em diante não comas carne, nem te atrevas a receber uma ordem sacra; no dia em que ousares profanar uma ordem sacra, recairás imediatamente sob o poder do demônio. Foi-se embora o clérigo curado e, como o castigo recente costuma amedrontar, guardou por algum tempo tudo que o homem de Deus mandara. Quando, porém, depois de muitos anos, mortos todos os seus superiores, viu que outros mais jovens lhe passavam à frente nas ordens sacras, negligenciou, como que esquecido pelo longo tempo, as palavras do homem de Deus, e apresentou-se à ordenação. No mesmo instante apoderou-se dele o diabo, que já o deixara, e não cessou de o atormentar até que lhe arrancou a alma.” Pedro: “Esse homem de Deus, a meu ver, chegou a penetrar até nos segredos da Divindade, pois viu claramente que o clérigo estava entregue ao demônio para que não ousasse apresentar-se à ordenação.” Gregório: “Porque não havia de conhecer os segredos da Divindade aquele que da Divindade guardou os mandamentos? Pois está escrito: “O que adere ao Senhor, é um só espírito” (1 Cor 6,17). Pedro: “Se aquele que adere ao Senhor, se torna um só espírito com o Senhor, porque é que o mesmo grande pregador diz : “Quem conheceu a mente do Senhor, ou quem foi seu conselheiro?” (Rom 11,34). Parece muito incongruente que alguém ignore o pensamento daquele com o qual se tornou um só”. Gregório: “Os santos varões, enquanto são com Deus uma só coisa, não ignoram o pensamento do Senhor. É o mesmo Apóstolo quem diz: “Que homem sabe aquilo que é do homem, senão o espírito do homem que está nele? Assim também o que é de Deus, ninguém conhece senão o Espírito de Deus” (1 Cor 2,11). Mas, para mostrar que sabia as coisas de Deus, Paulo acrescentou: “Nós não recebemos o espirito deste mundo, mas o espírito que é de Deus” (ibd. 2,12). E de novo diz: “O que olho não viu, nem ouvido escutou, nem subiu ao coração do homem, é o que Deus preparou para os que o amam; a nos, porém, Ele o revelou pelo seu Espírito” (ibd. 2,9-10). Pedro: “Se, portanto, ao mesmo Apóstolo foram reveladas pelo Espírito divino as coisas de Deus, como, então, nos preveniu com as seguintes palavras sobre a questão que eu propus: “O abismo das riquezas da sabedoria e da ciência de Deus! Como são incompreensíveis os seus juízos e imperscrutáveis os seus caminhos!” (Rom 11,33). Eis, porém, que, ao dizer estas coisas, me aparece outra questão. Com efeito, o profeta Davi, falando ao Senhor, diz: “Nos meus lábios pronunciei todos os juízos da tua boca» (Salm 118,13). E, visto que conhecer é menos que pronunciar, porque declara Paulo incompreensíveis os juízos de Deus, quando Davi atesta que não só os conheceu todos, mas até os pronunciou em seus lábios?” Gregório: “Em poucas palavras respondi às duas perguntas, quando há pouco disse que os santos varões, enquanto são com o Senhor uma só coisa, não ignoram o pensamento do Senhor. Pois todos os que seguem devotamente o Senhor, por essa devoção estão com Deus; mas, como ainda se acham sob o peso da carne corruptível, ao mesmo tempo não estão. Assim, enquanto juntos com Deus, conhecem-lhe os ocultos juízos; enquanto separados, ignoram-nos. Como, de um lado, ainda não penetram perfeitamente os mistérios de Deus, declaram incompreensíveis os seus juízos; mas como, de outro lado, estão unidos de espírito com o Senhor e nessa adesão percebem alguma coisa na medida do que lhes é dado nas palavras sagradas da Escritura ou em secretas revelações, conhecem isso e o proferem. Ignoram, portanto, os juízos que Deus cala, e conhecem os que Ele manifesta. Por isto, o profeta Davi, depois de dizer: “Em meus lábios pronunciei todos os juízos”, logo acrescenta: “da tua boca”, como se dissesse abertamente: “Pude conhecer e proferir aqueles juízos dos quais soube que tu os proferiste. Aqueles, porém, que tu mesmo não disseste, os escondes sem dúvida ao nosso conhecimento”. Assim é que concordam entre si as duas sentenças, a do Profeta e a do Apóstolo, segundo as quais são, de um lado, incompreensíveis os juízos de Deus, e são, de outro lado, proferidos por lábios humanos os juízos anteriormente pronunciados pela boca do Senhor; pois os juízos de Deus podem ser conhecidos pelos homens quando revelados por Deus, e não o podem quando não revelados.” Pedro: “Vejo que, por ocasião da minha pergunta, se esclareceu o sentido da coisa. Mas, se ainda há mais sobre os milagres deste homem, peço-te que o contes.”
Cap. XVII
A destruição do próprio mosteiro predita pelo homem de Deus
Gregório “Certo nobre chamado Teóprobo fora convertido pelos conselhos do mesmo Pai Bento, e gozava, por seus merecimentos, de grande confiança e familiaridade junto ao Santo. Entrando certa vez na cela deste, encontrou-o a chorar muito amargamente; ali deteve-se parado por muito tempo; notando, porém, que as lágrimas não cessavam, e que o homem de Deus, em vez de chorar rezando, como costumava, chorava de tristeza, perguntou-lhe finalmente qual a causa de tão grande amargura. “Todo este mosteiro que construí e tudo que preparei para os irmãos, respondeu-lhe o homem de Deus, será entregue aos gentios, a juízo de Deus todo-poderoso; a custo pude alcançar que deste lugar me fossem poupadas as vidas dos habitantes”. O que Teóprobo então ouviu em palavras, nós agora estamos vendo com os olhos, pois sabemos que o mosteiro foi recentemente destruído pelos Lombardos: durante a noite enquanto dormiam os irmãos, entraram ali, faz pouco tempo, e saquearam tudo, mas não conseguiram apoderar-se de um só homem. Assim Deus cumpriu o que prometera ao fiel servo Bento: embora entregasse os bens aos gentios, protegeria as vidas. Nisto se vê que Bento teve a sorte de S. Paulo que viu seu navio alijado de tudo, mas recebeu por consolação a vida de quantos o acompanhavam (Atos 27).”
Cap. XVIII
O barril oculto que o homem de Deus descobriu por revelação do Espírito
Um dia o nosso Exilarato, que conheceste já feito monge, foi por seu senhor encarregado de levar ao homem de Deus no mosteiro dois desses recipientes de madeira, vulgarmente conhecidos pelo nome de barris, cheios de vinho. O servo levou um e escondeu o outro no caminho. O homem de Deus, porém, a quem não ficavam ocultos os fatos distantes, recebeu o barril com palavras de agradecimento, acrescentando ao moço que se despedia: “Cuidado, filho, não bebas do barril que escondeste, mas inclina-o com cautela e verás o que há dentro:” Muito envergonhado, o jovem afastou-se do homem de Deus; e, uma vez de volta, querendo submeter à prova o que ouvira, virou o barril, e logo saiu de dentro uma serpente. Então. o servo Exilarato, por aquilo que encontrou no vinho, sentiu pavor do mal que praticara.”
Cap. XIX
A aceitação dos lenços descoberta pelo homem de Deus
Não longe do mosteiro havia um povoado onde não pequeno número de homens fora convertido do culto dos ídolos à fé de Deus, graças às exortações de Bento; ali viviam também algumas monjas. A tal lugar o servo de Deus enviava freqüentemente alguns dos irmãos para exortarem aquelas almas. Certo dia, como de costume, mandou um monge, o qual depois da alocução aceitou, a instâncias das monjas, uns lenços, que escondeu debaixo do hábito. Apenas chegado ao mosteiro, começou o homem de Deus a repreendê-lo com a mais viva amargura, dizendo: “Como entrou a iniqüidade no teu coração?” O monge ficou atônito, pois, esquecido do que havia feito, ignorava o motivo da repreensão. Bento então lhe disse: “Não estava eu presente quando aceitaste os lenços das servas de Deus e os guardaste debaixo do hábito?” Prostrando-se logo a seus pés, o monge se arrependeu da estulta ação e deitou fora as peças que escondera.”
Cap. XX
O pensamento orgulhoso de um monge, descoberto pelo homem de Deus
Um dia, quando o venerável Pai tomava, já à tardinha, a refeição do corpo, um dos seus monges, filho de certo defensor, estava presente, segurando-lhe o candeeiro diante da mesa. Enquanto o homem de Deus comia e ele assistia, fazendo o ofício da candeia, o jovem, tomado pelo espírito de soberba começou a revolver, calado, em sua mente, e a dizer de si para si, estas palavras: “Quem é este a quem eu assisto enquanto come, seguro o candeeiro e presto serviço? Quem sou seu para que lhe deva servir?” Voltando-se no mesmo instante, o homem de Deus entrou a repreendê-lo com veemência, dizendo: “Persigna o teu coração, irmão; que dizes? Persigna o teu coração!” E, tendo chamado sem mais demora os outros irmãos, ordenou-lhes que lhe tomassem o candeeiro das mãos, e a ele, que deixasse o serviço e fosse na mesma hora sentar-se sossegado. Perguntaram-lhe, então, os irmãos o que tivera no coração, e ele por ordem contou de quão grande espírito de soberba se enchera, e as palavras que em pensamento dizia, calado, contra o homem de Deus. Tornou-se assim bem manifesto a todos que nada podia ficar oculto ao venerável Bento, em cujos ouvidos haviam ressoado até as palavras de um pensamento mudo.”
Cap. XXI
Os duzentos modios de farinha que em época de fome apareceram diante do mosteiro do homem de Deus
Em outra ocasião, a fome devastava toda a região da Campanha, e grande escassez de gêneros angustiava a todos. Já faltava trigo no mosteiro de Bento: quase todos os pães haviam sido consumidos, de modo que não se achavam mais de cinco para os irmãos à hora de comer. Vendo-os contristados, o venerável Pai procurou corrigir com repreensão moderada a sua pusilanimidade, e reanimá-los com uma promessa: “Porque, dizia, se entristece o vosso espírito pela falta de pão? Hoje, na verdade, há muito pouco, mas amanhã tê-loeis em abundância.” De fato, no dia seguinte, encontraram duzentos módios de farinha em sacos diante da porta do mosteiro, sem que alguém até hoje saiba por quem Deus todo-poderoso os mandou levar. Vendo isto, os irmãos deram graças ao Senhor, e aprenderam a não duvidar da abundância, mesmo em tempo de carência.” Pedro: “Peço-te que me digas se devemos crer que o espírito de profecia estava sempre neste servo de Deus, ou se lhe enchia a mente apenas de tempos em tempos.” Gregório: “Nem sempre, Pedro, o espírito de profecia ilumina a mente dos profetas, pois, como está escrito do Espírito Santo que “sopra onde quer” (Jo 3,8), também se deve entender que sopra quando quer. Vem daí que Natã, interrogado pelo rei se podia construir o templo, primeiro consentiu e depois proibiu (2 Reis 7). Pela mesma razão, Eliseu, ao ver a mulher chorando, sem saber a causa da sua dor, disse ao servo que a queria repelir: “ Deixa-a, porque a sua alma está amargurada, e o Senhor mo encobriu e não manifestou (4 Reis 4,27). É por disposição de grande bondade que Deus onipotente assim ordena as coisas; pois, ora dando, ora retirando o espírito de profecia, de um lado eleva às alturas a mente dos profetas, e, de outro lado, a conserva na humildade, para que os mesmos, quando recebem esse espírito, saibam o que são por mercê de Deus, e, quando não o têm, conheçam o que são por si mesmos.” Pedro: “Eis que forte argumento clama que as coisas são como dizes. Peço-te, porém, que continues a expor tudo que te acode à memória sobre o venerável Pai Bento.”
Cap. XXII
O plano do mosteiro de Terracina traçado por Bento através de uma visão
Gregório: “Outra vez, um homem religioso pediu a Bento que mandasse alguns discípulos a uma propriedade que tinha perto de Terracina, para construir um mosteiro. Anuindo aos rogos, Bento escolheu alguns irmãos, instituiu-lhes o abade e o que devia ser o seu prior. À despedida, prometeu-lhes o seguinte: “Ide, em tal dia irei também eu, e mostrar-vos-ei em que lugar havereis de edificar o oratório, o refeitório dos irmãos, os aposentos dos hóspedes e tudo que for preciso”. Recebida a bênção, puseram-se logo a caminho; nos dias seguintes, à espera ansiosa do dia marcado, prepararam tudo que parecia necessário para receber os que podiam chegar com o grande Pai. Eis, porém, que na noite em que começava a raiar o dia prometido, o homem de Deus apareceu em sonhos ao monge que ele constituíra abade, e ao prior deste, e lhes foi designando minuciosamente cada um dos lugares onde deviam edificar alguma coisa. Quando despertaram do sono, contaram um ao outro o que tinham visto; mas, por não darem pleno crédito à visão, aguardaram o homem de Deus na prometida visita. Este, porém, não chegou no dia determinado, pelo que foram ter com ele, muito magoados, e lhe disseram: “ Esperamos, Pai, que fosses como prometeras, e nos mostrasses onde devíamos edificar; mas não foste”. Ao que lhes disse: “Porque, irmãos, porque falais assim? Acaso não fui, conforme prometi?” E quando lhe retorquiram: “Quando foste?”, respondeu: “Não vos apareci a um e outro quando dormíeis, e não vos mostrei então cada local do mosteiro? Ide, e, como ouvistes na visão, construi todas as dependências do mosteiro”. Ao ouvirem estas palavras, ficaram profundamente admirados, e voltaram ao referido terreno, onde construíram todos os compartimentos do mosteiro como lhes fora revelado.” Pedro: “Gostaria de saber de que modo pode Bento ausentar-se para longe e dar aos irmãos que dormiam, instruções que eles em sonho ouviram e compreenderam.” Gregório: “Pedro, porque é que perscrutas o modo como se deram os fatos, e te pões a duvidar dos mesmos? É coisa evidente que o espírito é de natureza mais ágil que o corpo. Ora, sabemos com certeza, pelo testemunho da Escritura, que o profeta, levantado aos ares na Judéia, foi de repente baixado na Caldéia com o seu almoço, que serviu a alimentar outro profeta, e no mesmo instante voltou à Judéia (Dan 14). Se, pois, Habacuc pôde num momento ir corporalmente tão longe e entregar um almoço, que é de admirar se o Pai Bento obteve afastar-se em espírito e anunciar aos irmãos adormecidos o necessário, de modo que, assim como o profeta se locomoveu corporalmente para alimentar o corpo, assim Bento se transportou em espírito para instituir a vida espiritual?” Pedro: “A força da tua palavra, confesso, dissipou em mim as dúvidas do espírito. Agora queria saber que efeito tinham as palavras desse homem no trato da vida quotidiana.”
Cap. XXIII
As monjas que depois da morte foram restituídas à Comunhão da Igreja pela Oblação do Abade
Gregório: “Dificilmente, Pedro, era a sua palavra, mesmo no trato quotidiano, desprovida de eficácia; pois, tendo alçado aos céus o coração, não lhe podiam as palavras baixar vazias dos lábios. Se, pois, alguma vez dizia algo, não já decidindo, mas somente ameaçando, sua palavra tinha tanta eficácia como se não a tivesse dito apenas duvidosa e condicionalmente, mas já em sentença irrevogável. Assim é que, não longe do mosteiro de Bento, viviam num sítio próprio duas monjas, senhoras de nobre linhagem a quem certo homem religioso prestava serviço nas necessidades da vida exterior. Em alguns, porém, a nobreza da raça produz a vileza do espírito, de modo que essas pessoas, recordando que foram um pouco mais do que outras, são menos dispostas a desprezar-se neste mundo; assim eram as duas monjas, as quais não tinham reprimido perfeitamente a língua sob o freio do hábito, e freqüentemente provocavam à ira, com palavras imprudentes, o homem que lhes prestava serviço nas indigências exteriores. Este, depois de tolerar por muito tempo tais coisas, dirigiu-se finalmente ao homem de Deus e contou-lhe quantas afrontas sofria. Bento, tendo ouvido como procediam as monjas, logo mandou dizer-lhes: “Corrigi vossas línguas porque, senão vos emendardes, eu vos excomungarei”. Por conseguinte, não proferiu a sentença de excomunhão, mas apenas ameaçou. As monjas, porém, sem nada mudar dos antigos costumes, morreram dentro de poucos dias e foram sepultadas na igreja. Ora, quando ali se celebrava a solenidade da Missa, e o diácono clamava como de costume: “Se há alguém excomungado, retire-se do lugar, a ama que as criara e costumava oferecer ao Senhor a oblação por elas, via-as erguerem-se da sepultura e saírem da igreja. Havendo observado muitas vezes que à voz do diácono elas saiam e não podiam ficar no templo, lembrou-se do que o homem de Deus lhes mandara dizer quando ainda viviam, isto é, que as privaria da comunhão eclesiástica, se não emendassem os costumes e palavras. Com grande dor, então, foi referido o caso ao servo de Deus, que na mesma hora deu com sua própria mão uma oblação, dizendo: “Ide, e fazei que esta oferenda seja apresentada ao Senhor em favor delas, e a seguir já não estarão excomungadas”. De fato, a oferta foi imolada em sufrágio das duas defuntas, e, quando o diácono clamou, segundo o costume, que saíssem os excomungados, não foram mais vistas sair da igreja. Com isto ficou indubitavelmente claro que as ditas monjas, não mais saindo com aqueles que estavam privados da comunhão eclesiástica, a tinham recuperado do Senhor por intermédio do seu servo.” Pedro: “É muito para admirar que esse homem, embora venerável e muito santo, mas ainda vivendo nesta carne corruptível, tenha podido libertar almas já colocadas diante do invisível juízo.” Gregório: “Acaso, Pedro, não estava ainda nesta carne aquele que ouviu: “Tudo que ligares sobre a terra, será ligado no céu, e tudo que desligares sobre a terra, será desligado no céu” (Mt 16,19) ? O poder dos Apóstolos de ligar e desligar, obtêm-no hoje aqueles que, cheios de fé e santos costumes, ocupam um posto de governo sagrado. Contudo, para que o homem, feito do pó da terra, goze de tamanho poder, veio do céu à terra o Criador do céu e da terra; e, para que a carne julgue também os espíritos, Deus feito carne pelos homens deu-lhe o respectivo poder em sua liberalidade, pois a nossa fraqueza se elevou acima de si própria pelo fato mesmo de se ter enfraquecido sob si mesma a força de Deus.” Pedro: “Em verdade, com o poder dos milagres concorda a eficácia das palavras do Santo.”
Cap. XXIV
O monge que, sepultado, a terra rejeitou
Gregório: “Certa vez um jovem monge, que amava os pais mais do que devia, tendo saído do mosteiro sem bênção, para ir à casa dos pais, morreu no mesmo dia em que aí chegou. Sepultado, seu corpo, no dia seguinte apareceu fora da sepultura. Trataram de enterrá-lo novamente, mas no dia seguinte encontraram o corpo mais uma vez de fora, insepulto como na véspera. Correndo, então, sem demora, aos pés do Pai Bento, pediram com muitas lágrimas que se dignasse de conceder ao filho a sua graça. O homem de Deus deu-lhes imediatamente com a própria mão a comunhão do corpo do Senhor, dizendo: “Ide, com grande reverência pondo-lhe sobre o peito este corpo do Senhor, e colocai-o assim na sepultura”. Feito isto, a terra guardou o corpo e não mais o rejeitou. Avalias, Pedro, quanto merecimento tinha esse homem junto ao Senhor Jesus Cristo, para que a própria terra lançasse fora os despojos daquele que não possuía o favor de Bento.” Pedro: “Avalio bem, e estou muito admirado.”
Cap. XXV
O monge que, ao apartar-se do mosteiro, encontrou no caminho um dragão
Gregório: “Um dos monges de Bento se rendera à inconstância, e não queria mais ficar no mosteiro. Apesar de assiduamente repreendido e admoestado pelo homem de Deus, de modo nenhum consentia em permanecer na comunidade, e ainda insistia com importunas súplicas para que fosse despedido. Certo dia, então, o venerável Pai, já entediado pela importunação, ordenou-lhe irado que se fosse embora. Logo que saiu, porém, o monge encontrou na estrada um dragão à sua espreita, de güela aberta. Como o monstro o quisesse devorar, começou a gritar, todo trêmulo e alvoroçado: “ Socorro! Socorro! Pois este dragão me quer devorar”. Acorreram os irmãos, os quais não viram dragão algum, mas reconduziram ao mosteiro o monge todo trêmulo e agitado. Este logo prometeu nunca mais abandonar o mosteiro, e desde essa hora permaneceu fiel à promessa, porquanto pelas orações do santo varão pudera ver diante de si o dragão que ele antes seguia sem ver.”
Cap. XXVI
O moço curado da lepra
Também não quero passar em silêncio o que ouvi do ilustre varão Antônio. Este contava que um servo de seu pai fora atacado de lepra, a ponto de já se lhe entumecer a pele, caírem os pêlos, e não poder ele esconder o pus cada vez mais abundante. Mandado ao homem de Deus pelo pai de Antônio, o enfermo foi com presteza restituído à saúde anterior.”
Cap. XXVII
O dinheiro entregue por Milagre ao devedor
Tampouco calarei aquilo que o discípulo de Bento chamado Peregrino costumava narrar. Uma vez, certo homem fiel, impelido pelo aperto de uma dívida, acreditou ser seu único remédio ir ter com o homem de Deus e expor-lhe a urgente necessidade. Foi, pois, ao mosteiro, onde encontrou o servo de Deus onipotente, e contou-lhe a grave aflição que sofria por parte de um credor a quem devia doze soldos. Respondeu-lhe o venerável Pai que não possuía os doze soldos, mas, para não deixar de consolar com uma branda palavra a pobreza do homem, acrescentou: “Vai, e volta daqui a dois dias, pois hoje não tenho o que te deveria dar”. Nesses dois dias, conforme o seu costume, ficou entregue à oração. Quando no terceiro dia voltou o devedor aflito, apareceram de repente treze soldos sobre uma arca do mosteiro, que estava cheia de trigo. O homem de Deus mandou apanhá-los e entregá-los ao pedinte angustiado, dizendo-lhe que pagasse doze e guardasse um para os próprios gastos. Eis que agora volto a contar o que ouvi dos discípulos referidos no início deste livro. Certo homem vivia sofrendo da gravíssima inveja de um inimigo, cujo ódio o impeliu mesmo a pôr veneno ocultamente na bebida daquele. Não pôde o veneno tirar a vida, mas a pele do homem perseguido mudou de cor, espalhando-se pelo corpo umas manchas que pareciam de lepra. O doente, porém, levado à presença do homem de Deus, depressa recuperou a saúde, pois, logo que este o tocou, lhe afugentou as manchas da pele.”
Cap. XXVIII
A garrafa que, arremessada às pedras, não se quebrou
Na ocasião em que a falta de alimentos afligia tão gravemente a Campanha, o homem de Deus distribuíra tudo que havia no mosteiro, a diversos indigentes, a ponto de quase nada mais restar na despensa, fora um pouco de azeite numa garrafa de vidro. Apareceu, então, certo subdiácono de nome Agapito, pedindo com muita instância que lhe dessem um pouco de azeite. O homem de Deus, que tinha resolvido dar tudo na terra para que tudo lhe fosse guardado no céu, mandou que entregassem ao subdiácono o pouco de azeite que restava. Todavia, o monge encarregado da despensa, apesar de ter ouvido a ordem, retardou-lhe a execução. Um pouco mais tarde, perguntando-lhe Bento se fora dado o que mandara, respondeu que não, porque, se o fizesse, nada sobraria para os irmãos. Indignado com isto, Bento ordenou a outros que atirassem pela janela a garrafa com o resto de azeite, para que nada ficasse no mosteiro por desobediência. Assim foi feito. Ora, sob a janela abria-se um grande precipício eriçado de pontas de rochedo. A garrafa arremessada foi dar naturalmente nas pedras, mas ficou incólume como se não tivesse sido jogada, de modo que nem ela se quebrou nem o óleo se derramou. À vista disto, o homem de Deus mandou que a buscassem e entregassem, íntegra como estava, ao subdiácono. Reunidos depois os irmãos, repreendeu em presença de todos o monge desobediente pela sua falta de fé e soberba.”
Cap. XXIX
O tonel vazio que apareceu cheio de azeite
Depois desta repreensão, Bento entregou-se à oração com os irmãos. No recinto em que rezavam, havia um tonel de óleo, vazio e tapado. Ora, enquanto o santo homem persistia em oração, a tampa do tonel começou a erguer-se com o azeite que dentro crescia. Deslocada e suspensa a tampa, o azeite que subia, passou as bordas do tonel e acabou alagando o pavimento do lugar em que se achava. Ao notar isto, o servo de Deus Bento logo terminou a oração, e o azeite cessou de escorrer pelo chão. Então, mais uma vez admoestou o irmão pusilânime e desobediente a ter confiança e humildade. O monge, argüido, corou de vergonha, porquanto o venerável Pai acabava de comprovar com um milagre o mesmo poder de Deus onipotente que em sua admoestação lhe recordara. A partir de então, não havia mais quem pudesse duvidar de suas promessas, já que no mesmo instante tinha restituído, por uma garrafa quase vazia, um tonel cheio de azeite.”
Cap. XXX
O monge libertado do demônio
Um dia, quando se encaminhava para a capela de S. João, sita no próprio cume da montanha, encontrou-se Bento com o antigo inimigo que, sob a figura de um veterinário, ia levando um vaso de chifre e três cordas. Tendo-lhe Bento perguntado: “Aonde vais?”, respondeu: “Eis que vou ter com os irmãos para dar-lhes uma bebida.” O venerável Pai, então, continuou seu caminho para rezar e, logo que terminou a oração, voltou às pressas. Neste entrementes o espírito maligno, encontrando a tirar água um velho monge, neste entrou sem demora, e, prostrando-o por terra, o atormentou com a maior raiva. Quando o homem de Deus, de volta da oração, viu o monge assim cruelmente maltratado, deu-lhe uma bofetada apenas e com isco logo expulsou o espírito mau, que não ousou voltar a agredir o velho.” Pedro: “Gostaria de saber se, tão grandes milagres, Bento os obtinha sempre em virtude da oração, ou se, às vezes, também os realizava por um mero ato de vontade.” Gregório: “Os que de mente devota estão unidos a Deus, costumam fazer milagres, quando a necessidade o exige, de um e outro modo, isto é, ora pela prece, ora pelo próprio poder. Pais que S. João diz: “A todos os que o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12), que é de admirar se os que são filhos de Deus por poder, operam também prodígios por poder? Que de duas maneiras faziam milagres, atesta-o Pedro, o qual, pela oração, ressuscitou Tabita defunta (Atos 9), ao passo que, com uma repreensão, entregou à morte Ananias e Safira, que mentiam (Atos 2); não se lê que tenha orado para que estes morressem, mas somente que repreendeu o crime que haviam perpetrado. É certo, portanto, que os filhos de Deus realizam prodígios ora por poder, ora pela oração, visto que a estes Pedro, increpando, tirou a vida, enquanto àquela, orando, a restituiu. Narrarei agora dois feitos do fiel servo de Deus, Bento, nos quais se vê claramente que um, ele o pôde operar pelo poder recebido de Deus, e o outro, pela oração.”
Cap. XXXI
O camponês manietado que foi solto pelo simples olhar do homem de Deus
No tempo de Tótila rei dos Godos, um destes, chamado Zala, partidário da heresia ariana, a tal ponto de crueldade ardia contra os que eram fiéis à Igreja católica, que não houve um só clérigo ou monge que, tendo-o encontrado, escapasse vivo das suas mãos. Inflamado, certo dia, pela avareza e a avidez da rapina, pôs-se a afligir com cruéis tormentos um camponês; ora, quando lhe rasgava as carnes em diversos suplícios, este, vencido pelos sofrimentos, declarou-lhe que havia depositado todos os bens em mãos do servo de Deus. Bento: o pobre camponês esperava que, acreditando o carrasco nas suas palavras, suspendesse a crueldade, e a vítima pudesse ganhar no intervalo algumas horas de vida. Zala, com efeito, cessou de maltratar o camponês, mas, atando-lhe os braços com fortes correias, obrigou-o a caminhar diante do cavalo para mostrar-lhe quem era esse Bento que recebera os seus haveres. Indo à frente, de braços amarrados, o camponês conduziu Zala ao mosteiro do santo varão, que encontraram sozinho a ler, sentado à porta do mosteiro. Disse, então, o camponês a Zala, que cheio de raiva o seguia: “ Eis aí o Pai Bento, de quem te falei”. Na excitação em que ia, com toda a fúria do seu perverso coração, Zala pôs os olhos no homem de Deus e, pensando poder agir com o terror costumeiro, começou a gritar-lhe: “Levanta-te, levanta-te, e devolve os bens que recebeste deste camponês!” A sua voz, o homem de Deus ergueu os olhos da leitura e, tendo encarado Zala, olhou em seguida para o camponês, que continuava amarrado. Apenas, porém, posou os olhos nos braços deste, as correias que os ligavam, começaram a desamarrar-se de modo maravilhoso e com tanta rapidez que teria sido impossível ao mais presto dos homens desata-las tão depressa. Quando aquele que viera manietado, de repente apareceu solto, Zala, tremendo diante de tanto poder, caiu no chão, e, inclinando aos pés de Bento a cabeça cruel, recomendou-se às suas orações. Nem por isto o santo homem se levantou da leitura, mas, tendo chamado os irmãos, mandou que o introduzissem no mosteiro para dar-lhe um pouco de pão bento. Quando Zala voltou à presença do santo, este admoestou-o a suspender tanta crueldade e insensatez; depois do que, o tirano se foi, comovido, e nada mais ousou reclamar do camponês que o homem de Deus, não pelo tato, mas apenas pelo olhar, soltara. Eis aí, Pedro, o que eu disse: os que servem familiarmente a Deus todo-poderoso, podem de vez em quando operar milagres também por próprio poder. Esse que, sentado, reprimiu a ferocidade do terrível godo e com o simples olhar desatou correias e nós que prendiam o inocente, está a indicar, pela rapidez mesma do milagre, que recebera o poder de fazer o que fez. Agora ainda descreverei quão grande milagre Bento, orando, pôde obter.”
Cap. XXXII
O morto Ressuscitado
Certo dia havia Bento saído com os irmãos para os trabalhos do campo, quando um camponês, trazendo nos braços o corpo de um filho morto, veio ao mosteiro, todo aflito pela perda e perguntou pelo Pai Bento. Quando lhe disseram que o Pai estava no campo com os irmãos, sem delongas depôs o corpo em frente à porta do mosteiro e, transtornado pela dor, lançou-se a correr em busca do venerável Pai. Naquela hora o homem de Deus já voltava do campo com os irmãos. Apenas o camponês o viu, começou a gritar: “Devolve meu filho, devolve meu filho!” O homem de Deus parou ao ouvir estes clamores, e disse: “Acaso te tirei o filho?” - “Ele morreu, vem, ressuscita-o” , respondeu o camponês. Ouvindo isto, o servo de Deus ficou muito triste e disse: “Retirai-vos, irmãos, retirai-vos; tal poder não compete a nós, mas aos santos Apóstolos. Porque queres impor-nos um peso que não podemos suportar?” O infeliz, porém, impelido por uma dor profunda, persistia no pedido, jurando que não se retiraria sem que Bento lhe ressuscitasse o filho. “Onde está?”, interrogou então o servo de Deus. Ao que aquele respondeu: “O corpo jaz à porta do mosteiro”. Quando ali chegou o homem de Deus com os irmãos, dobrou os joelhos e debruçou-se sobre o corpinho da criança. Erguendo-se depois, estendeu para o céu as mãos, e disse: “Senhor, não consideres os meus pecados, mas a fé deste homem que roga lhe seja ressuscitado o filho; e restitui a este corpinho a alma que tiraste”. Mal terminara as palavras da oração, quando o corpinho inteiro da criança estremeceu por aí voltar a alma, e todos os presentes viram que no maravilhoso abalo o corpinho palpitava a tremer. Bento, então, agarrou-lhe as mãos, e devolveu-o vivo e incólume ao pai. É evidente, Pedro, que não estava em seu poder tal milagre, pois que, para conseguir fazê-lo, teve de prostrar-se e orar.” Pedro: “É certo que as coisas são como dizes, pois provas com fatos as sentenças que propões. Peço-te agora que dês a conhecer se os santos homens podem tudo que querem, e obtêm tudo que desejam.”
Cap. XXXIII
O Milagre de Escolástica, irmã de Bento
Gregório: “Pedro, quem será nesta vida mais sublime do que Paulo, o qual três vezes rogou ao Senhor que o livrasse do aguilhão da carne, e, contudo, não pôde obter o que queria (2 Cor 12,7-9) ; devo, por isto, contar-te que houve coisa que o venerável Pai Bento não pôde alcançar. A irmã de Bento, de nome Escolástica, consagrada desde a infância a Deus onipotente, tinha o costume de visitar o irmão uma vez por ano; o homem de Deus descia a recebê-la numa propriedade do mosteiro, não longe da portaria. Foi ela, pois, um dia, como de costume, e seu venerável irmão, acompanhado de alguns discípulos, desceu a vê-Ia. Passaram o dia todo em louvores de Deus e em santos colóquios, e, ao caírem as trevas da noite, juntos tomaram alimento. Quando ainda estavam à mesa, enquanto o tempo entre santas conversações avançava a uma hora tardia, a monja irmã de Bento rogou-lhe o seguinte: “Peço-te, irmão, que não me deixes esta noite, para podermos falar até a manhã das alegrias da vida celeste.” Ao que ele respondeu: “Que é que dizes, irmã? Ficar fora do mosteiro, de modo nenhum o posso!” Até esse momento a serenidade do céu era tal que nenhuma nuvem aparecia nos ares; quando, porém, a monja ouviu a recusa do irmão, cruzou as mãos sobre a mesa e nelas declinou a cabeça para rogar a Deus todo poderoso. Ora, logo que levantou da mesa a cabeça, tão violentos relâmpagos e trovões e tão copiosa chuva explodira que nem o venerável Bento nem os irmãos que com ele se achavam, puderam mover o pé do limiar do recinto em que estavam. A monja, com efeito, ao reclinar a cabeça nas mãos, derramara sobre a mesa rios de lágrimas, mediante as quais conseguiu transformar em tempestade a serenidade do tempo. E não tardou o aguaceiro a seguir-se à oração; mas, ao contrário, tão perfeita foi a simultaneidade da prece e da tempestade, que Escolástica ergueu a cabeça já ao irromper da trovoada, de modo que num só instante se deram o levantar da cabeça e o desabar da chuva. Vendo, então o homem de Deus que não podia voltar ao mosteiro no meio dos raios e trovões e da grande enxurrada, começou a lastimar-se entristecido, dizendo: “Que Deus todo-poderoso te perdoe, irmã! Que fizeste?” E ela: “Eis que te roguei, e não me quiseste ouvir; roguei, então, ao meu Senhor e Ele ouviu-me. Agora, pois, se podes, sai, deixa-me e volta para o mosteiro”. De fato, não podendo sair, aquele que espontaneamente não quis ficar, teve de permanecer contra a vontade. Assim aconteceu que passaram toda a noite em vigília, e se saciaram mutuamente em santas conversas sobre a vida espiritual. Por isto disse eu que Bento quis alguma coisa, mas não a pôde; pois, se consideramos a mente do venerável homem, é fora de dúvida que ele queria continuasse o bom tempo que fazia quando desceu, mas, contra seu desejo, o que encontrou foi esse milagre de Deus onipotente consoante a um coração de mulher. E não é de admirar que a mulher, cujo desejo era ver o irmão por mais tempo, mais tenha podido do que este, pois, já que segundo a palavra de João “Deus é caridade” (1 Jo 4,16), é justo dizer-se que mais pôde aquela que mais amou. Pedro: “Confesso que me agrada muito o que dizes.”
Cap. XXXIV
Bento vê a alma da irmã sair do corpo
Gregório: “No dia seguinte a venerável mulher voltou ao próprio mosteiro, e o homem de Deus ao seu. Eis, porém, que três dias depois, Bento na cela, elevando os olhos às alturas, viu a alma da irmã, desprendida do corpo, a penetrar sob forma de pomba nas profundezas do céu. Enchendo-se, então, de alegria pela grande glória da irmã, com hinos e louvores rendeu graças a Deus todo-poderoso, e anunciou aos irmãos a morte da mesma. Mandou-os também sem demora a buscar para o mosteiro o corpo, a fim de que o enterrassem na sepultura que tinha preparado para si. Assim aconteceu que daqueles cujo espírito sempre fora um só em Deus, também os corpos não foram separados pela sepultura.”
Cap. XXXV
O mundo concentrado diante dos olhos de Bento e a alma de Germano bispo de Cápua
De outra vez, o diácono Servando, abade do mosteiro outrora construído em terras da Campanha pelo patrício Libério, veio de visita a Bento, como costumava. Como era também ele homem cheio da erudição da graça celeste, freqüentava o mosteiro de Bento, para que se comunicassem mutuamente doces palavras de vida, e ao menos em suspiros provassem o suave alimento da pátria celeste, já que ainda não o podiam em gozo perfeito. Chegada a hora do descanso noturno, o venerável Bento acomodou-se no alto da torre, enquanto o diácono Servando ficou em baixo; rima escada de acesso fazia comunicar os dois aposentos. Em frente dessa mesma torre existia Lima grande morada, onde descansavam os discípulos de um e outro. Enquanto os monges dormiam, o homem de Deus, Bento, antecipava em vigília a hora da oração noturna. Ora, eis que, estando à janela em prece a Deus onipotente, de súbito, na calada da noite, olhou para cima e viu uma luz que se difundia do alto e dissipava as trevas da noite, brilhando com tal esplendor que, apesar de raiar nas trevas, superava o dia em claridade. Nesta visão, seguiu-se uma coisa admirável, pois, como depois ele mesmo contou, também o mundo inteiro lhe apareceu ante os olhos, como que concentrado num só raio de sol. Ainda enquanto o venerável Pai fixava atentamente a vista no esplendor da cintilante luz, viu a alma de Germano, bispo de Cápua, levada ao céu pelos anjos numa esfera de foto. Querendo, então, que alguém lhe servisse de testemunha de tão grande visão, chamou repetidamente, duas ou três vezes, em alta voz, o diácono Servando pelo próprio nome Este, perturbado pelo insólito clamor de tão grande homem, subiu, olhou para o alto e ainda viu um rastro exíguo de luz. A Servando, estupefato por tão grande maravilha, o homem de Deus narrou por ordem tudo que acontecera, e imediatamente encarregou o virtuoso Teóprobo, de Cassino, que na mesma noite mandasse alguém a Cápua para saber o que havia com o bispo Germano, e o comunicasse a Bento.
De fato, aconteceu que o enviado encontrou já defunto o reverendíssimo bispo Germano; o mesmo, indagando minuciosamente, apurou que ele morrera no mesmo instante em que o homem de Deus tomou conhecimento de sua ascensão.” Pedro: “Coisa, de fato, muito admirável e estupenda! O que disseste, porém, - a saber, que o mundo inteiro, como que concentrado num único raio de sol, foi trazido ante os olhos de Bento, já que nunca o experimentei, também não posso conjeturar de que modo possa acontecer que o universo todo seja visto por um só homem.” Gregório: “Tem por certo, Pedro, o que vou dizer: para a alma que vê o Criador, toda criatura é pequena. Por pouco que ela chegue a ver a luz do Criador, exíguo se lhe torna tudo que é criado, porque, à luz dessa visão profunda, o íntimo da mente se dilata e de tal modo se expande em Deus, que fica acima do mundo. A própria alma do vidente coloca-se, então, acima de si mesma. Ao ser raptada acima de si na luz de Deus, amplia-se interiormente, e, quando, nesse estado de exaltação, olha abaixo de si, compreende quão pequeno é tudo aquilo que, no seu estado de humilhação, não podia compreender. O homem de Deus, que, contemplando o globo de fogo, também via os anjos de volta ao céu, certamente não podia ver essas coisas senão na luz de Deus. Que é, pois, de admirar, se viu o mundo concentrado diante de si, aquele que, elevado na luz do espírito, esteve fora do mundo? Se, porém, se diz que o mundo todo foi concentrado diante dos seus olhos, não é que o céu e a terra tenham sido contraídos, mas o espírito do vidente é que foi dilatado, e, raptado em Deus, pôde sem dificuldade ver tudo que está abaixo de Deus. Portanto, enquanto aquela luz lhe resplandecia aos olhos de fora, houve uma luz interior na mente, que arroubando ao alto o espírito do vidente, lhe mostrou quão estreito é tudo que se acha aqui em baixo.” Pedro: “Vejo que me foi útil não ter entendido o que disseras, já que, por minha rudeza, tanto se desenvolveu a explicação. Mas agora que expuseste essas coisas com clareza, peço que voltes ao curso da narração.”
Cap. XXXVI
Bento escreveu a regra dos monges
Gregório: “Apraz-me, Pedro, narrar ainda muitas coisas deste venerável Pai; algumas, porém, de propósito as omito, pois devo apressar-me a relatar os efeitos de outros. Todavia, uma coisa não quero que ignores, isto é, que o homem de Deus, entre tantas coisas maravilhosas com que luziu no mundo, também não pouco brilhou pelo verbo da doutrina. Escreveu, com efeito, uma Regra de Monges, notável pelo espírito de discernimento e clara pela linguagem. Se, pois, alguém quiser conhecer mais exatamente os costumes e a vida do santo Pai, poderá encontrar nos preceitos dessa Regra todas as ações que ele praticou como Mestre, pois o santo varão de modo nenhum pôde ensinar outra coisa que o que ele mesmo viveu.”
Cap. XXXVII
Bento anuncia aos irmãos a sua morte
No mesmo ano em que devia partir desta vida, anunciou o dia de sua santíssima morte a alguns discípulos que com ele viviam e a outros que moravam longe. Aos presentes acrescentou que guardassem em silêncio o que ouviram, e aos ausentes ainda deu a saber o sinal que se produziria para eles quando a alma se lhe apartasse do corpo. Seis dias antes da sua morte, mandou abrir a sepultura. Pouco depois atacado de febres, começou a ser atormentado pela violenta temperatura. Como dia a dia se agravasse o mal, no sexto dia fez-se levar ao oratório pelos discípulos; aí muniu-se para a partida, com a comunhão do corpo e do sangue do Senhor; a seguir, apoiando nos braços dos discípulos os membros enfraquecidos, ficou de pé com as mãos elevadas para o céu, e entre palavras de oração exalou o último suspiro. No mesmo dia, foi comunicada a dois irmãos, dos quais um estava no mosteiro e o outro distante, igual visão: ambos viram um caminho forrado de tapeçarias e coruscante inumeráveis luzes, estendido desde a cela de Bento até o céu, em direção do oriente; no alto, estava um homem de venerando e resplandecente aspecto, que lhes perguntou de quem era a estrada que viam; eles confessaram que ignoravam; então lhes disse: “Este é o caminho pelo qual Bento, o amado do Senhor, subiu ao céu.” Assim aconteceu que, como os discípulos presentes viram a morte do santo varão, também os ausentes dela tiveram conhecimento, pelo sinal que lhes fora prenunciado. Foi sepultado na capela de S. João Batista, que ele próprio construíra depois de ter posto abaixo o altar de Apolo. E na mesma gruta de Subloca em que primeiro habitou, ainda hoje, quando a fé dos suplicantes o exige, ele refulge em milagres.”
Cap. XXXVIII
A mulher louca curada na gruta do Santo
Deu-se recentemente o fato que vou narrar. Certa mulher mentecapta, tendo perdido completamente o juízo, vagava dia e noite por montes e vales, florestas e planícies, só parando para repousar onde o cansaço a tal obrigava. Um dia, depois de muito errar pelas solidões, deu com a gruta do santo varão Bento, onde entrou embora não a conhecesse, e aí se deixou ficar. Ora, na manhã seguinte, dali saiu tão sã de juízo como se nunca o tivesse perdido, e conservou pelo resto da vida a saúde que recebera.” Pedro: “Que dizer do que freqüentemente experimentamos no patrocínio dos mártires, que não prestaras tantos benefícios por meio de seus corpos quantos por outras relíquias, fazendo mesmo maiores prodígios nos lugares onde não estão sepultados?” Gregório: “Pedro, está fora de dúvida que, onde jazem os seus corpos, os santos mártires podem fazer muitos milagres, como, aliás, os fazem e manifestam inúmeras vezes aos que pedem com pura intenção. Todavia, já que os fracos podem duvidar de que eles estejam presentes para atender nos lugares onde não se acham os seus corpos, é preciso que realizem maiores prodígios nos lugares em que a alma débil pode duvidar da sua presença. Para aqueles, porém, cuja mente está fixa em Deus, tanto maior é o mérito da fé quanto mais convictos estão de que os mártires, apesar de não jazerem ali nos seus corpos, nem por isto os deixam de escutar. Por este motivo a própria Verdade, a fim de aumentar a fé dos discípulos, disse: “Se eu não for embora, o Consolador não virá a vós” (Jo 16,7). Ora, como é certo que o Espírito Consolador sempre procede do Pai e do Filho, porque é que o Filho diz que se deve retirar para que venha aquele que do Filho nunca se separa? O motivo é que os discípulos, vendo o Senhor na carne, tinham sede de O ver para sempre com os olhos do corpo; por isto o Senhor lhes disse com razão: “Se eu não me for, o Paráclito não virá”; como se dissesse claramente: Se não retiro o corpo, não mostro o que é o amor do Espírito, e se não deixardes de me ver corporalmente, jamais aprendereis a amar-me espiritualmente.”
Pedro: “Satisfaz-me o que dizes.” Gregório: “Temos agora de interromper por um pouco a conversa, para que, já que pretendemos narrar milagres de outros, no entretempo reparemos as forças pelo silêncio.”
São Gregório Magno
SEGUNDO LIVRO DOS DIÁLOGOS: VIDA DE SÃO BENTO
Nursia 480 - Monte Cassino 543
FIM